terça-feira, 5 de maio de 2015
ACASO
Tempos atrás eu escrevi um artigo para "O Estafeta" em que falava da proximidade da morte. Um amigo leu e fez um comentário. Aparentemente, com o passar dos anos ele temia a morte que se aproximava. ler o artigo o fez tremer. Estranha essa relação humana com a morte. A maioria das religiões prega o paraíso após o fim da vida. Alguns até falam em um número de virgens que nos esperam além dos portões do cemitério - não sei sinceramente qual a serventia para uma alma nesse caso. Mesmo assim a tal morte é temida. Mas a certeza está aí: todos passaremos por ela. São Francisco de Assis a chamava de "Irmã Morte". É isso mesmo. Ela é nossa irmã. Temida, indesejada, assustadora irmã. Mas a física, que em princípio se chamava "filosofia natural", nos mostra algumas realidades que nos fazem perder as certezas. Por exemplo, a matéria que vemos, tocamos e sentimos é 99,999999999999% espaço vazio. Mas mesmo assim a tocamos, vemos e sentimos. Obra de nossos sentidos. São verdades que criamos em nossas mentes. Nossas certezas são incertezas. Nossas verdades nem sempre são verdades. Quase nunca. O que vemos é fruto do que construímos. Então o que é a morte? A morte não é um ponto final. A morte é uma vírgula. No pior dos casos um ponto-e-vírgula. E a frase continua. Outro parágrafo. Teria o mesmo assunto? Não sei qual sua religião ou sua fé. Mas existe algo depois e em nossa santa ignorância não fazemos a menor idéia do que é. Dá um frio na barriga. Mas está lá. Nos espera. E não é porque envelhecemos que ela está presente. Nada disso. O que explica o bebê que morreu naquele acidente e o velho de 101 anos encontrado soterrado cinco dias após o terremoto do Nepal? O acaso. No livro "O Andar do Bêbado" Leonard Mlodinow nos fala muito bem disso. Fazemos escolhas aleatórias que podem facilitar eventos futuros. Mas somos frutos de bilhões de escolhas aleatórias que não fizemos. E o acaso nos leva a estar alí, de sofrer de uma doença, de passar raspando ou de não conseguir chegar lá. Bom é quando o acaso nos é favorável. Como diz a letra da canção Epitáfio dos Titãs, nós esperamos mesmo que "o acaso vai nos proteger enquanto eu andar distraído". Não adianta você me perguntar: E Deus? Onde entra nisso? Deus foi quem criou você. A aleatoriedade ganhamos quando alguém comeu do bom fruto proibido. o fruto de querer caminhar com as próprias pernas e de tomar as próprias decisões. E nesse caos de escolhas humanas devemos viver o melhor. E, novamente parafraseando a canção dos Titãs, "devíamos ter amado mais, chorado mais, visto o sol nascer, complicado menos, trabalhado menos, visto o sol se pôr, ter aceitado a vida como ela é". Pois "a cada um cabe alegrias e a tristeza que vier". E entre as tristezas e alegrias está ela. A nossa boa, santa e cruel irmã morte.
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Muito bom, compartilhamos o mesmo raciocínio.
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