terça-feira, 7 de abril de 2015

No Solo Onde Piso


Cada passo que dou é incerto. Triste. No solo onde piso sente-se o cheiro de sangue. Sangue de inocentes. Negros, pobres, escravos. Nas terras sob meus pés o suor que se derramou é seletivo. Aqueles que carregam as liteiras ainda suam em profusão. Mas aquelas que nela se sentam apenas reclamam do calor. Nunca carregaram a liteira de outrem. Há um pó de miséria que nos cobre os pés. Um passado que teima em querer voltar. Nessas veredas sempre caminho capisbaixo. Espinhos da intolerância me trespassam os pés. O breu da ignorância me queima as palmas. Meus pensamentos se voltam e revoltam em redemoinhos pensando naqueles que derramaram nessas terras suas vidas. Séculos de abandono. E todo a massa raivosa e sorrateira prepara seu ardil. Gritam em alto brado para que se derrame mais sangue, mais suor, mais (des)esperança. Clamam por novos braços nas varas das liteiras. No murmurinho ouve-se que faltam tigres para carregar as fezes. Dizem que faltam dalits e sudras para tantos bramas. A massa infeliz produziu a lama do terreno onde piso. Com seus corpos. Com suas almas. Ouço firmemente que um lamento ecoa a cada passo. Como se uma horda infernal gritasse dos nove círculos de Dante. Reparo os gritos. Não, não são de dores. São lamentos que não provém de infernos. Lamentos que brotam das memórias que espremo a cada passo. Fantasmas das almas sofredoras que destilaram suas dores pelos solos. Lá no horizonte vejo o senhor do engenho. O dono da casa grande. Na ágora eles falam aos borbotões. E a turba desvairada e impensante ouve atenta. Cala. Consente. E do pouco desse solo que secou, bem que se pensa que voltará a lama.