Descendo a Serra
E então me afoguei
em um oceano de tanta beleza. O verde era tão verde que brilhava ao
sol após aquela chuva intensa. Por entre as nuvens que se dissipavam
o azul era profundo. O ar lavado permitia ver longe, muito longe. Por
cima das colinas se avistava uma parte das montanhas. Lá ainda
restava uma chuva e parecia que uma cortina branca se abria
vagarosamente.
Caminhei devagar contemplando cada detalhe. Maritacas
barulhentas faziam a festa em uma palmeira coberta de frutos. Dezenas
de pássaros diferentes voavam pelo vale. Deus me privou de dons
atísticos para pintar a formosura que se descortinava. Mas como
queria eternizar essa visão em pinceladas precisas. Mas Deus não
privou de ver toda essa maravilha. Então pude dizer devagar e
profundamente meu muito obrigado. Continuei descendo a serra devagar.
O vento fresco e úmido brincava com meu cabelo. O cheiro de terra
molhada e mato verde era indescritível. Benção sobre benção. E
descendo numa curva me deparei com o precipício. Uma parede de pedra
que descia quase verticalmente até um pequeno vale lá embaixo.
Abelhas trabalhavam freneticamente numa fenda na pedra. Alheias a
toda aquela beleza tornavam-se parte dela. Lá no fim daquela parede
de pedra uma pequena estrada de terra serpenteava em meios as
colinas. Hora sumia, hora aparecia como uma cobra. Mesmo de longe
podia se ver que dois cavaleiros por ali andavam na lama. Pelos
gestos que se notavam os dois conversavam freneticamente. O que
falavam? Da beleza daquele lugar? Ou reclamavam da lama pegajosa?
Sumiram após uma curva entre as colinas e segui adiante. De repente
podia ver o vale todo por entre as árvores.
Via-se tão longe que a
própria imagem engolia-se a si mesma. Ao leste e ao oeste. Nos
limites de minha vista cansada eu olhava pequenas cidades cinzentas.
Alguns prédios e fábricas que de tão grande eram visíveis.
Marrons, verdes e brancos. Me sentei na pedra fria e brinquei de
identificar esses lugares. Quanta beleza. Pensei comigo tentando me
lembrar quantas vezes passei por esse mesmo caminho. Duzentas,
trezentas vezes? Talvez muito mais! Mas naquele dia, somente naquele
dia eu vi o quanto tudo aquilo era belo.
Fiz-me uma pergunta: quantas
vezes deixamos de olhar o belo? Ele está ali no meio do de tudo.
Mesmo em meio ao feio. Me levantei devagar e tornei a caminhar.
Alcancei então uma pequena fonte de água cristalina. Bebi. Gelada.
Revigorante. A água sempre procura o melhor caminho. Naturalmente
contornava as curvas na estrada e atravessava-a em certa curva
precipitando-se barulhenta em uma pequena encosta. Em cada passo uma
lição. Quando seremos como a água? Sábia, determinada, insistente
e paciente é a água.
E assim fui caminhando. E comecei a
cantarolar uma canção suave “obrigado Senhor, porque és meu
amigo, porque sempre comigo, tu estás a falar...”. Afogado,
encharcado e enebriado eu caminhei feliz. Deus havia falado comigo.
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