terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ah, o tempo.

TEMPO



Eu queria caminhar na chuva. Chuva fina e fria. Mas o tempo é quente e a chuva não veio. Eu queria sentar no topo da montanha mais alta, e apreciar o vale mais distante, e olhar pro lado e ver os picos coberto de neve. Mas o tempo me cobra um preço que não posso pagar. Poderia cruzar uma trilha por matas e montanhas. Observar os pássaros e rir desvairadamente da vida. Mas não o faço. Poderia comer das amoras silvestres e subir em árvores cobertas de musgo. Mas deixei de fazer isso. Ah o tempo. O tempo é uma ferrujem que corroi as vontades. Lentamente. Segundo a segundo. E eu o perco em bobagens de terno. Em mesas de reunião. Em discussões inúteis com chefes e subordinados. Quem não o perde? Eu gostaria de visitar o templo nas planícies do Butão muito mais do que apenas apertar esses botões cheios de letras que ficam clicando sob meus dedos: "t", "e","m","p","o"... Ah o tempo. O tempo que me faz ser menos pai, menos irmão, menos filho, menos marido, menos avô, menos homem, menos humano. E quando o tenho ele me escapa entre os dedos feito ar. O tempo é eterno, mas não é terno. Sua ternura se perde no volume que ele me dispensa. No mineirês rasgado é só um tiquim. Por que o tempo não me deixa prozear mais do que apenas escrever? Momentos de prazer solitário são esses os da escrita. Curtos. Sozinhos. Ah se não fossem os pequenos lapsos que o tempo nos dá. São pedidos de desculpas por sempre passar correndo. Aquele beijinho despretencioso que ganhei de meu neto ontem. Aquele abraço apertado da netinha. Ou aqueles pequenos momentos de insônia em que fiquei admirando o ressonar de minha esposa. Ah esse tempo maldito e bendito. Toma-me as grandes vontades e me enche de pequenos prazeres. Esse adestrado cãozinho de Chronos fica brincando de esconder comigo. Sorri quando o acho e logo some. O tempo me permite virar de costas pro teclado e olhar pela janela. Só por um instante. Fito a secura desse verão, a poeira e a paisagem que balança bruxuleante ao cruzar pelo ar quente. Eu queria tanto caminhar na chuva. Chuva fina e fria.

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