quarta-feira, 22 de julho de 2015

Oração de uma Quarta-Feira chuvosa

Senhor, venho te pedir perdão. Sabes que o procurei nas coisas e nas palavras no templo. Apesar de tudo lembrar-me de ti, não te achei. Pedi então tua luz e tu me destes um caminho de procura. Então senhor te encontrei no bêbado caído na esquina. Os olhos que me fitaram em meio aos cabelos desgrenhados eram teus olhos a pedir ajuda e eu, apesar de me apiedar de ti, me afastei. Te encontrei no pedinte que bateu em minha porta. Suas mão sujas estendidas eram tuas mãos. Tive nojo pois Tu cheiravas mal. Tu cheiravas mal senhor. Fechei a porta e te chamei - baixinho - de vagabundo. Nada sabia de tua vida, mas te rejeitei. Te ví sentado ao lado do muro do colégio. Teus olhos estavam vidrados. Ao teu lado estavam as drogas na imundice. Não sabia de teu abandono. Não sabia do que Te afligia na infância. Te vi. Mas mudei de lado da rua. E ainda que com pena de Ti eu te julguei. Meu coração se apequenou mas minha razão Te condenou como bandido. E então senhor te vi na televisão. Estavas amarrado a um poste pois havias roubado. Não sabia que tinhas fome e estavas abandonado. E vi então que te cuspiam e batiam com uma vara. Puxavam tua barba e diziam insultos. Eras tu Senhor que revivia o martírio do calvário. Te vi assim. Mas te julguei pelos teus atos de roubar. Te critiquei e usei dos meios que havia para me zombar de ti. Fui tolo pois achei correto o que fizeram contigo. Perdão Senhor.


E hoje Senhor aprendi que Tua presença não está na riqueza. Aprendi que ser teu não significa enriquecer materialmente. Que se enriquecemos não é porque temos a Ti. É porque temos uma capacidade de fazê-lo. Uma capacidade que nos destes ao nascermos. Inata. Pura. E fazemos dela o que quisermos. Mas Tu Senhor, se manifesta na pobreza da humildade e não na falácia da prosperidade. Perdão Senhor por achar que aderir ao teu chamado iria me fazer ter coisas e me tornar mais rico. Não Senhor, Não. Aderir ao teu chamado, aprendi, é sacrificar-me ao menos um pouco pelo outro. Sem esperar nada em troca. E assim, só assim seremos mais felizes. Obrigado Senhor por abrir-me os olhos.

Perdoa Senhor, se é que posso Te pedir, aqueles que propagam uma fé na prosperidade e a usam para prosperar. São pecadores como eu Senhor. Fazei que abram os olhos e se arrependam. São cegos Senhor e vós mesmos pediste ao Pai para que os perdoassem pois não sabem o que fazem.

Te peço Senhor que me dê forças para trilhar Teu caminho. Para esquecer da doutrina da prosperidade e sempre buscar a doutrina da humildade franca. Te peço Senhor que me dê forças para vencer o mal que graça em mim e no mundo. E que eu possa te ajudar quando aparecer diariamente na figura do preso, do pobre, do desesperado, do viciado, do abandonado, do entristecido e do sem paz. 

Senhor. Se aumentou meu compromisso e porque sabes que sou capaz. Mas me dê tua força, teu Espírito, para que eu persevere. E te agradeço por acreditares em mim pela Tua Graça.

Amém.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Um eterno dia dos amigos ou melhor...

Estou cansado de tantos dias. Hoje é dia do amigo. Ontem foi dia dos namorados. Dias atrás das mães. E vem aí o dia dos pais. Me perdi na data do dia dos avós - ou seria das avós? E teve o dia do fisico, do dentista, dia disso e dia daquilo.

Não seria melhor proclamar os 365 dias do amor? Os 365 dias da paz? O ano internacional de ser gentil, que seria repetido até que o planeta seja atingido pelo dito asteróide que todo ano surge nos céus para nos destruir? Ou mesmo até que o planeta 'nubiru' apareça por detrás de nosso Sol e cause o cataclisma final?




Essas datas de estar amigo, estar pai, estar mãe deveriam ser substiuídas pela eternidade de ser amigo, pai, mãe e profissional.  Precisamos muito mais de ser do que estar por um dia. Ah sim, me esqueci, e ser amigo deveria ser independente do outro ser meu amigo. Porque nos cabe amar até os inimigos não é? Até aquele chato de galocha de seu serviço que vive te enchendo com aquela desanimadora conversa fiada.

Dê um presente especial para todos hoje: declare sua profunda amizade eterna, seu amor incondicional, seu apoio especial por toda a vida. Porque seu amigo errará um dia, seu pai lhe repreenderá, sua mãe lhe dará uma bela bronca e seu inimigo poderá tornar-se seu amigo. Basta amar a todos que isso não muda sua amizade e seu comportamento.

E por favor, esqueça as palavras poéticas de Vinicius, "que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Lembre-se apenas que não é chama e que é infinito. Faça de sua vida inteira um único dia do amigo, do pai, da mãe, do tio, da tia, do inimigo e de todo o mundo.

Feliz para você também.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Tia Terezinha

Deus passa pela vida de todos nós derramando graças, belezas, dons e pessoas especiais. Como poetizou (ou seria profetizou?) Venturini: 'Como num romance um Deus risonho aqui passou, derramando cachoeiras pela serra em flôr'. Esse Deus que derrama tanto sobre nós é risonho e ama o sorriso. Nas famílias e comunidades Deus cobre algumas pessoas de dons extraordinários. O dom da oração e intercessão , dom da ajuda, dom da acolhida e centenas de outros. O dom da acolhida não é apenas aquele de receber. É o dom de receber com amor profundo, doando-se completamente, abrindo o coração e, especialmente, acolhendo com muita alegria e paz. Creio que algumas dessas pessoas são na verdade anjos disfarçados. Anjos que Deus derrama no meio de nós.

Na família Schmoeller o anjo da acolhida é a Terezinha. Olhos pequenos e brilhantes. Acolhendo a todos sem distinção. Os humildes, os abastados, os problemáticos de corpo e coração, os amigos dos amigos, os estranhos, os religiosos e os nem tanto. Sempre uma menina serelepe nos afazeres de agradar. Doando-se mesmo na dor e no sofrimento. Fazendo seus quitutes e guloseimas. Oferecendo gratuitamente suas coisas e pertences em troca de um sorriso. Sempre surpreendendo a todos com mimos inesperados e afagos na alma. Agradável contadora de histórias para entreter os acolhidos. Por todos sempre uma oração singela e um sorriso simples.

Sabemos que a alma permanece mesmo após a partida. Mas para os anjos não há morte. Apenas mudam de endereço. Se juntam aos coros celestes para continuar a acolhida. Se um dia eu for para o céu saberei quem irá me esperar na porta. Um certo anjo chamado Terezinha lá estará. Com os mesmos cabelinhos encaracolados, os mesmos olhinhos miúdos e brilhantes e um sorriso aberto. Junto a ela estará a irmã Marta. Intercessora permanente. E quem sabe um pudinzinho de leite condensado não esteja na mesinha posta?

Ficamos aqui com o coração apertadinho e os olhos mareados. Mas lá de onde ela veio tem uma bela festa de recepção. Afinal um anjo retornou de sua tarefa. E essa tarefa foi cumprida com maestria.

Fique com Deus tia! E peça a Dona Marta que continue a interceder por nós até o dia em que nos abraçaremos novamente. Espero ser digno de estar aí um dia.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Peregrinos do Amor

"A vida é caminhar. Sou peregrino do amor. Vou semear a esperança
Deste mundo que há de vir. Eu não me canso de cantar". Essa música do Pe. Jonas Abib, Salesiano, nos fala de três coisas: caminhar, semear e cantar. Semear a esperança sem deixar de cantar. Somos sim peregrinos do amor e temos a missão de amar, amar caminhando. Ainda que a vida sempre esteja nos dando limões - que são muito azedos -  cantando os converteremos em limonadas.

Na peregrinação que fizemos pelos caminhos de D. Bosco e Madre Mazarello pudemos sentir tantas coisas diferentes. A pobreza dos personagens do passado que tiveram sempre uma missão: semear a esperança. D. Bosco entre os meninos desesperançados em uma Itália industrializada que explorava até mesmo as menores crianças em jornadas escorchantes de trabalho. Madre Mazarello entre as meninas perdidas nas montanhas do Piemonte, dando-lhes o trabalho dignificante e atendendo aos doentes agonizantes de tifo. Era quase uma revolução silenciosa. Uma mensagem para a própria Igreja. Uma mensagem que, embora religiosa, tinha forte cunho social. Afinal? Para quem Deus veio? Para todos! Havia um espírito muito especial: mudança! Mas não uma mudança de fora. Uma mudança que não quebraria a estrutura. Uma reforma por dentro.

Era a mesma casa montada sobre a mesma pedra original ("Tú és pedra") e tendo em seu cimo a mesma pedra angular ("que os pedreiros rejeitaram"). No peito desses santos havia uma forte mensagem: reforma de valores. Quando nos desviamos do caminho em um ângulo muito pequeno, infinitesimal, sabemos que com o passar do tempo acabamos muito longe do caminho. Perdidos. Alguém sempre precisa aparecer - um missionário - para trazer de volta a esse caminho ("Eu sou o caminho!"). E essa linha é o amor. Ou ainda, melhor, a amorevolezza salesiana - gestos sensíveis, perceptíveis e concretos de amar. Amar educando ou educar amando. Com exemplos antes das palavras.

Oras. E que não dizer daquele santo de Assis? Certamente inspiração para um jovem chamado João Melchior Bosco, seminarista inquieto e inovador. Ainda que morando debaixo de uma pequena escada, num lugar frio e feio, com pouco para se alimentar e muito por fazer. Bosco deve ter se lembrado de Francisco de Assis. Afinal Francisco também atendeu a um chamado: "Reforma a Minha Igreja".  E também dormiu em uma pedra no frio e com fome. Francisco era mais um revolucionário. Igreja dos pobres e para os pobres. Igreja do simples e do belo. Igreja do amor. Louco e sonhador diziam!

633 anos depois o mesmo chamado ao jovem João. Mais uma reforma. Novamente afastavam-se da linha mestra. Bosco e Maria da família Mazzarello reforçaram os pilares, rebocaram as rachaduras e deram uma boa pintura. E fizeram isso com os jovens e as jovens. Com muita alegria, oração e trabalho. Igreja dos fracos, dos jovens sem rumo, das crianças sem educação adequada.

E a nossa peregrinação em busca da verdade não pára. Diante de Angelo Giuseppe Roncalli, o "Papa Bom", são João XXIII, Franciscano secular nos deparamos novamente com a mensagem que se repete: "reforma, reforma, reforma...". Taxado de radicalista de esquerda pelos radicais. Homem simples. Salvador de judeus durante a II Guerra. Escapava do Vaticano para visitar as famílias mais humildes. Mais uma vez renovou a casa. Trouxe o pobre ao rito. A verdade para aquele que não a compreendia no 'latinez' estranho. Trouxe novamente o Jesus que caminhava entre o povo e visitava as casas. De que forma? Com bondade, simpatia, sorriso, jovialidade e simplicidade. Sorriso! "Eu não me canso de cantar!".

E agora? Que tempos vivemos? Que alegria! Novamente Francisco, Jorge Mario Bergoglio. E novamente a mensagem de reforma. De voltar ao caminho. Um novo Papa sorridente. Alegre! Simples! E então entendemos a nossa missão: fazer dos limões limonadas e trazer de volta a alegria. Mudar o mundo a partir da Igreja. Mudar a Igreja a partir do mundo. De dentro para fora. Mudando primeiro nossas atitudes e nosso coração. Aceitando novamente as diferenças e nos abrindo para todos os excluídos e marginalizados. Sendo Igreja com "I" maiúsculo novamente. Humildes, simples e de espírito pobre. Nunca pobres de espírito (ainda que teríamos um espacinho no paraíso). Mas de uma maneira especial. Sorrindo, cantando e levando a esperança.

Saímos de um Francisco, passamos por um João Bosco e uma Maria Mazarello, e então passamos por um outro João e um outro Francisco com a mesma mensagem: "onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver desespero que eu leve a esperança". Sendo peregrinos do amor sem jamais deixar de cantar. Que a contemplação pela janelinha da Valponasca não seja apenas ver, mas se transforme em um ímpeto de mudar!


quinta-feira, 28 de maio de 2015

O Profeta e o Bar do Araújo.

Era domingo. Antes das seis da matina. Jairo acordou sonolento. A cachaça de sábado ainda amargava sua boca. A cama feita de tocos e capim farfalhou ao levantar-se. Nem havia trocado de roupa. As botas furadas ainda no pé. Se colocou de pé. No momento uma única coisa o animava, o café. No fagãozinho de lenha do barraco de pau-a-pique ainda ardiam meia dúzia de brasas. Jairo socou alí uns gravetos finos e um pedaço de palha de milho e o fogo despertou. Colocou um bule velho na chapa e encheu de água. Meteu uma medida de pó, uma 'maozada' como ele dizia e deixou ferver. Esperando sentou-se na taipa e pensou devagar. Tinha algo diferente naquele dia. Sentia como se o peito ardesse. Absorto em seus pensamentos nem percebeu que a água borbulhava no bule. Despertou-se daquele mundo de fantasias quando uma gota fervente pulou em suas mãos. Pegou um pano de prato sujo e rasgado e puxou o velho bule. Pegou um graveto em brasa e colocou dentro do bule. O pó baixou. Encheu um caneco velho de ágata cheio de lascados com aquele café. Nele colocou distráido uma quantidade absurda de açúcar. Provou devagar o mel negro que podia ter gosto de tudo, menos de café.  Mas serviu para tirar o amargor e alinhar a mente. Era mesmo um dia especial. Jairo se sentiu ungido. Lembrou daquele sonho estranho que o fez acordar sabe-se lá que horas da madrugada. Um anjo apareceu a ele. Logo ele. Devoto de São José. Pensou e pensou. Se o padrinho José teve a visita de anjos por que não ele?

Vestiu se chapéu de feltro e abriu a porta. Cilada, sua égua, estava olhando para ele. Ele fez um esforço mas não se lembrava de ter tirado o arreio dela. Teria cilada se desvencilhado da tralha toda sozinha? Bobagem, pensou Jairo. Apenas com aquele café no bucho, sem nada de alimento, ele pegou a sela e paramentou sua companheira. A única que restou depois que mulher e filhos haviam ido embora para Minas. Fez um carinho na égua e montou na cilada. Ela já sabia que o caminho era o de sempre. A via sacra de Jairo. De segunda a sábado Cilada fazia o caminho para casa parando em cada boteco. No domingo ela fazia a ida e vinda. Sabia que naquele dia ela nem iria até o pasto apartar o gado. Não iria ficar solta nas terras de sinhôzinho. Domingo era dia de ser amarrada em postes na porta dos bares.

Cilada sentia algo diferente em Jairo. Ele que sempre conversava com ela estava quieto. Jairo pensava em seu sonho. O anjo havia lhe dado uma missão. Ele pensava se a bebida o havia deixado louco. Ou se ele realmente entendia o ocorrido. Deus perdia tempo com bêbados como ele? Mas e daí? Nem ligo! Esse era seu jeito. Deus uns tapinhas no pescoço de Cilada e ela acelerou o passo. Jairo olhava no pedaço da orelha da égua que havia sido praticamente comido por carrapatos. É. Esse mundo é de parasitas mesmo. Se bobeamos eles nos comem. Vamos Cilada, balbuciou. Cada dia o bar ficava mais longe. Em cada porta que antes havia desenhado uma garrafa de cerveja havia um nome de igreja. Domingo de manhã algumas estavam abertas. Dentro delas uma meia dúzia de pessoas e alguém a pregar em altos brados num microfone. A caixa chegava a vira no avesso. Jairo passou olhando. Não ouvia. Aqui era o bar do tonho, lembrou ele. Ali na outra era o Bar do Araújo. Mais embaixo, uns dois quilometros, enfim um porto seguro. "Mané. Manda aí uma cabeçuda. Tenho uma missão a cumprir". O boteco veio abaixo de tanta risada. O sergipano de sotaque arrastado que estava apoiado no balcão soltou uma frase: "o xente! endoidou foi?". Jairo entornou a canjibrina de um gole só e pediu mais uma. Nada respondeu. Saiu devagar e na porta do bar convidou os colegas para seguí-lo até o Alto da Bela Vista. Ninguém se moveu. Cedo demais, disse um coitado sentado à porta.

Jairo seguiu adiante montado em sua velha e paciente companheira. Entrou por uma viela. Subiu uma ruazinha. E foi convidando as pessoas. Tinha gente de terno que ia ao culto. Tinha meninos com paramentos religiosos que iam auxiliar o pároco. Havia os donos de comércio preparando os frangos nas assadeiras. Tinha um amolador de faca e seu apito longo. Aqui e ali uma velha senhora que acenava. Lá se foi Jairo morro acima. Para cada um um convite. Lá no alto ele apiou de sua égua. Subiu na pedra. E anunciou que era um profeta. Um enviado. Fechou seus olhos e levantou um braço apontando aos céus. Então gritou em alto brado: "Não mais Igrejas! Não mais religiões!" e proferiu um complemento que sempre ouvia mas não sabia o que significava, " Oráculo do Senhor!". E completou sua profecia: "Basta que amemos. E só!". Olhou para baixo. Ninguém o havia seguido. Todos estavam no mesmo lugar. Faziam as mesmas coisas. Iam por aí. Jairo pensou: "todas as palavras necessárias foram ditas". Montou em cilada. Cilada foi-se com ele passando por todos os lugares de todos os dias. Pelo menos naqueles que restaram. E assim foi-se o domingo.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Inveja da Magia

Fiquei parado. Olhando aquele desenho feito em giz no quadro negro da sala de minha esposa. Uma fada. Silhueta longilínea, com o braço estendido e segurando uma vara de condão. Vestido esvoaçante. Pernas longas com uma sapatilha aos pés. Lindo. Até os borrões de uma tentativa de apagar o giz parecia uma mágica a criar uma nuvem em frente à fada. Haviam tantos detalhes. Laços. Fitas que enlaçavam as pernas. Cabelos. Absorto em meus pensamentos diante daquele desenho. Pensei como sou. Sou das exatas. Sou do lógico. Sou das coisas retas, das linhas, dos círculos e dos ângulos. Ainda que as curvas suaves sejam infinitas retas que se somam. Fico preso naquelas atômicas retazinhas. Como se a beleza das formas não fossem apenas círculos e ângulos geométricos. Sinto inveja. Não tenho o dom das cores. Não tenho o olhar dos mestres e pintores. Não tenho o ouvido dos músicos. Apenas sinto a beleza das notas, das vozes e da harmonia. Como eles conseguem? Eu não sou harmônico. Meus dedos se atrapalham nas teclas e nas cordas. Também nos lápis e pincéis. Sequer sei batucar em rítmo. Sou um metrônomo quebrado. Invejo os pintores e suas pinturas nos quadros. Mesmo aqueles que parecem rabiscar sem sentido. E voilà, surge uma linda paisagem. Um corpo nu. Invejo os desenhistas e seus desenhos perfeitos. Invejo os músicos e compositores e suas notas no ar. Traduzir os sonhos. É magia!

 

Tantos dons nas mãos dos artistas. Dons que não me deram. Então me sacio combinando palavras. Me contento escrevendo versos que só eu leio. Afagos egoístas em minha própria alma. Fico barrando minhas angústias daquilo que não sei fazer. Rabisco meus anseios em linhas indecifráveis. Triste como o mais tristes dos poetas. Sem palco. Sem vernissage. Sem talento. Sem aplauso. Preso em mim mesmo. Sufocado por um rancor de apenas ver. Jamais fazer. De ser apenas mais um que passa em meio aos milhares iguais a mim. Quem olha? Quem vê? Quem quer? Não. Não. Isso não importa! Existo. Respiro. Escrevo. Nada mais. Não. Nada mais. Apenas.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Carta do Cacique Seattle - 1854


O discurso abaixo foi proferido em onze de março de 1854 pelo chefe das tribos indígenas pele vermelha Suquamish e Duwamish em uma grande reunião ao ar livre, em Seattle, estado de Washington. É conhecido como Carta do Chefe Seattle. Para mim é um ode à natureza, à vida e à todas as coisas simples e necessárias.
 
“Como você pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? A ideia é estranha para nós. Se nós não somos donos da frescura do ar e do brilho da água, como você pode comprá-los? Cada parte da Terra é sagrada para mim e o meu povo.
Cada pinha brilhante, cada praia de areia, cada névoa nas florestas escuras, cada inseto transparente, zumbindo, é sagrado na memória e na experiência de meu povo. A energia que flui através das árvores traz consigo a memória e a experiência do meu povo. A energia que flui pelas árvores traz consigo as memórias do homem vermelho.
Os mortos do homem branco se esquecem da sua pátria quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos nunca se esquecem desta bela Terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da Terra e ela é parte de nós.

As flores perfumadas são nossas irmãs, os cervos, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos. Os picos rochosos, as seivas nas campinas, o calor do corpo do pônei, e o homem, todos pertencem à mesma família.
Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que quer comprar nossa terra, ele pede muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que reservará para nós um lugar onde poderemos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Então vamos considerar sua oferta de comprar a terra. Mas não vai ser fácil. Pois esta terra é sagrada para nós.
Chefe Sealth - Foto da Wikipedia


A água brilhante que se move nos riachos e rios não é simplesmente água, mas o sangue de nossos ancestrais. Se vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é o sangue sagrado de nossos ancestrais. Se nós vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é sagrada, e vocês devem ensinar a seus filhos que ela é sagrada e que cada reflexo do além na água clara dos lagos fala de coisas da vida de meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai de meu pai. Os rios são nossos irmãos e saciam nossa sede. Os rios levam nossas canoas e seus peixes alimentam nossas crianças.

Se vendermos nossa terra para vocês, vocês devem lembrar-se de ensinar a seus filhos que os rios são irmãos nossos, e de vocês, e consequentemente vocês devem ter para com os rios o mesmo carinho que têm para com seus irmãos.
Nós sabemos que o homem branco não entende nossas maneiras.
Para ele um pedaço de terra é igual ao outro, pois ele é um estranho que chega à noite e tira da terra tudo o que precisa. A Terra não é seu irmão, mas seu inimigo e quando ele a vence, segue em frente. Ele deixa para trás os túmulos de seus pais, e não se importa. Ele seqüestra a Terra de seus filhos, e não se importa.
O túmulo de seu pai, e o direito de primogenitura de seus filhos são esquecidos. Ele ameaça sua mãe, a Terra, e seu irmão, do mesmo modo, como coisas que comprou, roubou, vendeu, como carneiros ou contas brilhantes. Seu apetite devorará a Terra e deixará atrás de si apenas um deserto. Não sei!
Nossas maneiras são diferentes das suas. A visão de suas cidades aflige os olhos do homem vermelho. Mas talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não entende. 
 
Não existe lugar tranqüilo nas cidades do homem branco. Não há onde se possa escutar o abrir das folhas na primavera, ou o ruído das asas de um inseto.

Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não entendo. A confusão parece servir apenas para insultar os ouvidos. E o que é a vida se um homem não puder ouvir o choro solitário de um curiango ou as conversas dos sapos, à noite, em volta de uma lagoa.
Sou um homem vermelho e não entendo.  O índio prefere o som macio do vento lançando-se sobre a face do lago, e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva de meio-dia, ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo hálito – a fera, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo hálito.
O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo há dias esperando a morte, ele é insensível (ao seu próprio) mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra, vocês devem se lembrar de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seus espíritos com toda a vida que ele sustenta. 
Mas se vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la separada e sagrada, como um lugar onde mesmo o homem branco pode ir para sentir o vento que é adoçado pelas flores da campina.
Assim, vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra.Se resolvermos aceitar, eu imporei uma condição – o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Eu Sou um selvagem e não entendo de outra forma.
Vi mil búfalos mortos e apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os matou da janela de um trem que passava. Sou um selvagem e não entendo como o cavalo de ferro que fuma pode se tornar mais importante que o búfalo, que nós só matamos para ficarmos vivos.
O que é o homem sem os animais?
Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão do espírito. Pois tudo o que acontece aos animais, logo acontece ao homem. Todas as coisas estão ligadas.

Vocês devem ensinar a seus filhos que o chão sob seus pés é as cinzas de nossos avós. Para que eles respeitem a terra, digam a seus filhos que a Terra é rica com as vidas de nossos parentes. Ensinem aos seus filhos o que ensinamos aos nossos, que a Terra é nossa Grande Mãe.
Tudo o que acontece à Terra, acontece aos filhos da Terra. Se os homens cospem no chão, eles cospem em si mesmos.

Isto nós sabemos – a Terra não pertence ao homem – o homem pertence à Terra. Isto nós sabemos. Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas.
Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra. O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela. O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus anda e fala com ele como de amigo para amigo, não pode ficar isento do destino comum. Podemos ser irmãos, afinal de contas. Veremos.

De uma coisa nós sabemos e que o homem branco pode um dia descobrir – o nosso Deus (das tribos peles vermelha da América do Norte) é o mesmo Deus.
Vocês podem pensar agora que vocês O possuem como desejam possuir nossa terra, mas vocês não podem fazê-lo.
Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual tanto para com o homem vermelho quanto para com o branco (ou para o negro, o amarelo, não importa a cor da “vestimenta de pele”).
A Terra é preciosa para Ele, e danificar a Terra é acumular desprezo por seu criador. Os brancos também passarão, talvez antes de todas as outras tribos.
Mas em seu desaparecimento vocês brilharão com intensidade, queimados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e para algum propósito especial lhes deu domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho.

Esse destino é um mistério para nós, pois não entendemos quando os búfalos são mortos (em excesso), os cavalos selvagens são domados, os recantos secretos das florestas carregados pelo cheiro de muitos homens, e a vista das montanhas maduras manchadas por fios que falam.

Onde está o bosque? Acabou.
Onde está a águia? Acabou.
É o  fim dos seres (realmente) vivos e o começo da sobrevivência.”

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Unus pro omnibus, omnes pro uno?


Percebo muitas vezes que vivo em uma pequena caixa repleta de escorpiões. Qualquer movimento mal dado basta para ser picado. Também é como se vivesse um constante jogo de xadrez. Olhando um pequeno movimento de alguém que não deveria ser meu adversário, mas se faz como, é preciso o maior cuidado em prever todos os possíveis movimentos futuros. Estão sempre armando uma situação de xeque-mate. Estressante, agonizante e triste. Assim é o mundo da pesquisa e dos pesquisadores. Pelo menos onde vivo. O psicanalista Flávio Gikovate diz que "exige humildade intelectual: não se ver como mais sábio, ponderado e inteligente". Mas não é isso que vejo. Quase todos são "o máximo" nesse meio.  Poucos tem humildade intelectual. Um colega me disse que existem três maneiras de se resolver um impasse, um conflito: pela lógica, pelo ego e pelo dolo. Pois o que aqui vejo, na ordem, é usar o ego e depois o dolo. Que se dane a lógica. Ainda que se veja que o trabalho de outrem é melhor o ego cega e usa-se o dolo para denegrir, mentir, acusar e atropelar o outro. 

No livro "Política. Quem Manda, Por que Manda, Como Manda" de João Ubaldo Ribeiro, vemos que a política é parte integrante de nossa vida. Negociamos o tempo todo. Em família, no clube, na sociedade, em nosso trabalho. Em suma somos, queiramos ou não, políticos em todo o lugar. Mas existe um espaço imensurável  entre política e politicagem. Politicagem é a política que tem por objetivo atender aos interesses pessoais ou trocar favores particulares em benefício próprio(1). A política é arte de centralizar, comandar e gerenciar as massas, fazendo uso de vários recursos para fazer e criar o seu domínio(1). Mas a política é para o benefício e não para prejuízo. Deve incluir. Tanto é que seus antônimos passam por intolerância, unilateralismo, etc. Ou seja, a politicagem. Para mim é claro que nesse meu sujo e fétido castelo reina a politicagem. Nenhum interesse público é levado em consideração, exceto se for absolutamente igual ao interesse pessoal. As traições são tão comuns que dariam inveja em Hamlet. Pois é, "tem algo de podre no reino da Dinamarca". E assim como em Hamlet existe aqui também sempre um fantasma querendo vingar alguma coisa. E os favores são trocados entre os ratos de esgoto que propagam uma espécie de peste negra que, se não tomarmos cuidado, nos pega, nos enche de bulbos e nos faz tão lixo quanto os demais.

Pois a famosa frase de "Os três Mosqueteiros" de A. Dumas e que aparece no domo central do Palácio Federal da Suíça, "Unus pro omnibus, omnes pro uno", se tivesse que ser colocada nesse castelo em que vivo deveria ser trocada para " Omnes pro uno, omnes pro uno, Quoniam suus ' me!" (todos por um, todos por um. Desde que seja eu).


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(1) - Dicionario inFormal - http://www.dicionarioinformal.com.br

terça-feira, 5 de maio de 2015

ACASO

Tempos atrás eu escrevi  um artigo para "O Estafeta" em que falava da proximidade da morte. Um amigo leu e fez um comentário. Aparentemente, com o passar dos anos ele temia a morte que se aproximava. ler o artigo o fez tremer. Estranha essa relação humana com a morte. A maioria das religiões prega o paraíso após o fim da vida. Alguns até falam em um número de virgens que nos esperam além dos portões do cemitério - não sei sinceramente qual a serventia para uma alma nesse caso. Mesmo assim a tal morte é temida. Mas a certeza está aí: todos passaremos por ela. São Francisco de Assis a chamava de "Irmã Morte".  É isso mesmo. Ela é nossa irmã. Temida, indesejada, assustadora irmã. Mas a física, que em princípio se chamava "filosofia natural", nos mostra algumas realidades que nos fazem perder as certezas. Por exemplo, a matéria que vemos, tocamos e sentimos é 99,999999999999% espaço vazio. Mas mesmo assim a tocamos, vemos e sentimos. Obra de nossos sentidos. São verdades que criamos em nossas mentes. Nossas certezas são incertezas. Nossas verdades nem sempre são verdades. Quase nunca. O que vemos é fruto do que construímos. Então o que é a morte? A morte não é um ponto final. A morte é uma vírgula. No pior dos casos um ponto-e-vírgula. E a frase continua. Outro parágrafo. Teria o mesmo assunto? Não sei qual sua religião ou sua fé. Mas existe algo depois e em nossa santa ignorância não fazemos a menor idéia do que é. Dá um frio na barriga. Mas está lá. Nos espera. E não é porque envelhecemos que ela está presente. Nada disso. O que explica o bebê que morreu naquele acidente e o velho de 101 anos encontrado soterrado cinco dias após o terremoto do Nepal? O acaso. No livro "O Andar do Bêbado" Leonard Mlodinow nos fala muito bem disso. Fazemos escolhas aleatórias que podem facilitar eventos futuros. Mas somos frutos de bilhões de escolhas aleatórias que não fizemos. E o acaso nos leva a estar alí, de sofrer de uma doença, de passar raspando ou de não conseguir chegar lá. Bom é quando o acaso nos é favorável. Como diz a letra da canção Epitáfio dos Titãs, nós esperamos mesmo que "o acaso vai nos proteger enquanto eu andar distraído". Não adianta você me perguntar: E Deus? Onde entra nisso? Deus foi quem criou você. A aleatoriedade ganhamos quando alguém comeu do bom fruto proibido. o fruto de querer caminhar com as próprias pernas e de tomar as próprias decisões. E nesse caos de escolhas humanas devemos viver o melhor. E, novamente parafraseando a canção dos Titãs,  "devíamos ter amado mais, chorado mais, visto o sol nascer, complicado menos, trabalhado menos, visto o sol se pôr, ter aceitado a vida como ela é". Pois "a cada um cabe alegrias e a tristeza que vier". E entre as tristezas e alegrias está ela. A nossa boa, santa e cruel irmã morte.


terça-feira, 7 de abril de 2015

No Solo Onde Piso


Cada passo que dou é incerto. Triste. No solo onde piso sente-se o cheiro de sangue. Sangue de inocentes. Negros, pobres, escravos. Nas terras sob meus pés o suor que se derramou é seletivo. Aqueles que carregam as liteiras ainda suam em profusão. Mas aquelas que nela se sentam apenas reclamam do calor. Nunca carregaram a liteira de outrem. Há um pó de miséria que nos cobre os pés. Um passado que teima em querer voltar. Nessas veredas sempre caminho capisbaixo. Espinhos da intolerância me trespassam os pés. O breu da ignorância me queima as palmas. Meus pensamentos se voltam e revoltam em redemoinhos pensando naqueles que derramaram nessas terras suas vidas. Séculos de abandono. E todo a massa raivosa e sorrateira prepara seu ardil. Gritam em alto brado para que se derrame mais sangue, mais suor, mais (des)esperança. Clamam por novos braços nas varas das liteiras. No murmurinho ouve-se que faltam tigres para carregar as fezes. Dizem que faltam dalits e sudras para tantos bramas. A massa infeliz produziu a lama do terreno onde piso. Com seus corpos. Com suas almas. Ouço firmemente que um lamento ecoa a cada passo. Como se uma horda infernal gritasse dos nove círculos de Dante. Reparo os gritos. Não, não são de dores. São lamentos que não provém de infernos. Lamentos que brotam das memórias que espremo a cada passo. Fantasmas das almas sofredoras que destilaram suas dores pelos solos. Lá no horizonte vejo o senhor do engenho. O dono da casa grande. Na ágora eles falam aos borbotões. E a turba desvairada e impensante ouve atenta. Cala. Consente. E do pouco desse solo que secou, bem que se pensa que voltará a lama.     

segunda-feira, 23 de março de 2015

Gafanhotos ou Lemingues?

É o rompimento da vida?

De quando em quando se tem notícia de uma praga de gafanhotos. De quando em quando vê-se nos canais de documentários ou de notícias um programa sobre a morte massiva dos lemingues. Superpopulação. Problemas climáticos. E nós? Seres humanos, como estamos?


Segundo o site http://www.worldometers.info/br/ bem no momento em que escrevo essas linhas lê-se que a população mundial é de 7.303.217.320 (Sete bilhões e 303 milhões de pessoas) e até o meio dia de hoje nasceram mais 201 mil pessoas. Mais de 400 mil nascem por dia.

Não creio que o planeta suporte esse estresse. Cientistas liderados por "Anthony Barnorsky, da Universidade de Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos, publicaram um estudo mostrando que estamos caminhando a passos largos na direção da sexta extinção em massa, uma situação na qual 75% das espécies do planeta simplesmente deixarão de existir" (Superinteressante, Maio 2011).

É difícil que eu acredite que mesmo usando de toda a nossa ânsia de preservação, ou que toda a população do mundo use hábitos conservadores - ou qualquer esforço nosso- seja suficiente. A natureza deverá dar um jeito de limpar o planeta. Eu creio em um organismo vivo que interliga tudo. Do micro ao macro. Nesse organismo somos apenas uma parte. Mas estamos agindo como um câncer descontrolado. Nos reproduzimos e consumismo os recursos desse organismo desenfreadamente. Estamos provocando uma reação do organismo que certamente tratará de eliminar as células que o atacam. 

Nossa população precisa diminuir. E assim será feito. De uma maneira ou de outra. Do que precisamos para viver? Quanto precisamos consumir? Como devemos reproduzir? Uma pequena parcela da humanidade quer manter a forma privilegiada de vida.Pensa somente no agora.

O planeta não suporta mais e dá mostras claras disso. Existe uma falta de água latente. O planeta se aquece de forma descontrolada. Existe fome em toda parte. Uma espécie de animal desaparece a cada minuto. Precisamos parar isso. Deixarmos de ser imediatistas e pensarmos no futuro de nossos netos, bisnetos.

Ou mudamos radicalmente ou nosso destino se romperá como o Glaciar Ilulissat.


É uma escolha que devemos fazer agora. Senão ou seremos como gafanhotos a devastar outros planetas ou morreremos como os lemingues, afogados em nossa própria ganância.

terça-feira, 17 de março de 2015


Descendo a Serra


E então me afoguei em um oceano de tanta beleza. O verde era tão verde que brilhava ao sol após aquela chuva intensa. Por entre as nuvens que se dissipavam o azul era profundo. O ar lavado permitia ver longe, muito longe. Por cima das colinas se avistava uma parte das montanhas. Lá ainda restava uma chuva e parecia que uma cortina branca se abria vagarosamente. 

Caminhei devagar contemplando cada detalhe. Maritacas barulhentas faziam a festa em uma palmeira coberta de frutos. Dezenas de pássaros diferentes voavam pelo vale. Deus me privou de dons atísticos para pintar a formosura que se descortinava. Mas como queria eternizar essa visão em pinceladas precisas. Mas Deus não privou de ver toda essa maravilha. Então pude dizer devagar e profundamente meu muito obrigado. Continuei descendo a serra devagar. 

O vento fresco e úmido brincava com meu cabelo. O cheiro de terra molhada e mato verde era indescritível. Benção sobre benção. E descendo numa curva me deparei com o precipício. Uma parede de pedra que descia quase verticalmente até um pequeno vale lá embaixo. Abelhas trabalhavam freneticamente numa fenda na pedra. Alheias a toda aquela beleza tornavam-se parte dela. Lá no fim daquela parede de pedra uma pequena estrada de terra serpenteava em meios as colinas. Hora sumia, hora aparecia como uma cobra. Mesmo de longe podia se ver que dois cavaleiros por ali andavam na lama. Pelos gestos que se notavam os dois conversavam freneticamente. O que falavam? Da beleza daquele lugar? Ou reclamavam da lama pegajosa? Sumiram após uma curva entre as colinas e segui adiante. De repente podia ver o vale todo por entre as árvores. 

Via-se tão longe que a própria imagem engolia-se a si mesma. Ao leste e ao oeste. Nos limites de minha vista cansada eu olhava pequenas cidades cinzentas. Alguns prédios e fábricas que de tão grande eram visíveis. Marrons, verdes e brancos. Me sentei na pedra fria e brinquei de identificar esses lugares. Quanta beleza. Pensei comigo tentando me lembrar quantas vezes passei por esse mesmo caminho. Duzentas, trezentas vezes? Talvez muito mais! Mas naquele dia, somente naquele dia eu vi o quanto tudo aquilo era belo. 

Fiz-me uma pergunta: quantas vezes deixamos de olhar o belo? Ele está ali no meio do de tudo. Mesmo em meio ao feio. Me levantei devagar e tornei a caminhar. Alcancei então uma pequena fonte de água cristalina. Bebi. Gelada. Revigorante. A água sempre procura o melhor caminho. Naturalmente contornava as curvas na estrada e atravessava-a em certa curva precipitando-se barulhenta em uma pequena encosta. Em cada passo uma lição. Quando seremos como a água? Sábia, determinada, insistente e paciente é a água. 

E assim fui caminhando. E comecei a cantarolar uma canção suave “obrigado Senhor, porque és meu amigo, porque sempre comigo, tu estás a falar...”. Afogado, encharcado e enebriado eu caminhei feliz. Deus havia falado comigo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Ser bom é ...

Ser bom


Ser bom é simplesmente ser bom. Não existe ninguém bom. Existem aqueles que buscam a bondade. Ser bom é muito difícil. Tão difícil que disse Jesus: "Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus"(Mt 19,17). Hoje uma amiga publicou uma frase na internet onde lê-se "Onde houver sentimento bom eu quero ficar". A missão do bom é estar onde estão os sentimentos. Sejam eles bons ou ruins. Aliás, é para onde estão os ruins que os bons devem ir. Pois a bondade, a verdadeira bondade, transforma.

É difícil cada passo daquele que busca o bem, isto é, o ser bom. Há que se pensar antes de dá-lo. A bondade exige reflexão constante. Muito mais porque cada ato pode aparentar ser no caminho da bondade e revelar-se nos levando a outros caminhos. E como ser bom para um e ser para outro também? Sempre nos deparamos com uma escolha cruel. Daí a facilidade de ir conforme nos dizem (gado novo) e não conforme pensamos. A bondade precisa ser feita de pequenos passos. Passos que nos levam a estar cada dia perto do ser bom. Mas voltar por esse caminho é simples. Nos afastarmos da bondade é simples.

Ser bom onde existem sentimentos bons é muito mais fácil. E então, muitas vezes, nos refugiamos nesses lugares. Alguns o acham nos templos. Outros na família. Outros nos bares. Outros nas drogas - em tantos outros espaços não?. Mas ser bom é ser bom em qualquer lugar. Especialmente onde menos gostamos. Mas o lugar mais fácil de ser bom é sozinho. Sozinho temos apenas a nós mesmos não é? Mas isso é utópico! É preciso que nos conheçamos. Dos seres mais desconhecidos desse mundo estamos nós mesmos.

O homem conhece melhor a superfície de marte do que os meandros de seu próprio ser. Nos enganamos por vontade ou ignorância. E fingimos sermos bons conosco mesmo. Mas é aí que erramos muito. E conseguimos ser ruins conosco e com os outros. Daí se você quer saber quem você realmente é, se bom ou ruim, basta ir onde houver um sentimento ruim. Se sua presença for transformadora e lá você tiver vontade de ficar, aí sim você é bom. Caso contrário é possível que você tenha que dar ainda muitos passos.

Mas certamente menos que eu.
Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus.

Mateus 19:17
Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus.

Mateus 19:17
Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus.

Mateus 19:17

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

FIAT

E foi assim. Estava eu. Do nada, no nada e nada fazendo. E então tudo fiz. Assim num repentino clarão. Não houve estrondo o que muito surpreendeu a todos que ainda não haviam. Apenas fiz. Foi preciso um gesto pois sem ação não há feito ou feitio. E o feito foi saindo como um rio, as águas que fiz depois rojando por sobre as primeiras. E tudo se foi fazendo por si só. Assim, num poderio próprio que a criação adquire.  A entropia de tudo que se fez daquilo já feito nem era verdade. O já feito se organizou em outros feitos e tinha suas regras privativas de feitura. Mas veja caro amigo, filho e sobra de gestação, sempre existe aquele que dá as costas aos procedimentos. E por que não se daria o novo? E enquanto tudo se desenrolava eu vi que paradigmas eram quebrados. E surgia, e surgia, e surgia aquilo que nem pensei. O acaso fez sua vez. E do que criei e foi se criando emoldurava-se sempre o belo. Mas havia o feio e o medonho. Eles também se criaram do que havia. Me divertia muito olhar tudo aquilo. Era apenas um clarão. Hoje muitos dizem que eu - um déspota, discricionário e ditador - mandei  fazer isso e aquilo. Que nada. Fiz aquele clarão que ninguém viu.



E depois? Depois veio o divertido, o inusitado, o engraçado, o fazimento inesperado. Tudo até era fazível. Mas pouco fiz por mim mesmo. Toda a coisa se fez por fazer. Me lembro que teve algumas que irromperam e, obra de escolha ou circunstância, logo se foram. Tempo? Tempo foi só uma consequência do fazer. Assevero que tempo nem tem lado. Passado e futuro? Antes e depois? Nada! O tempo é rebento do clarão. Pois é isso mesmo, querido abrolho de um ramo desse clarão. Não me venha pleitear pagamento daquilo que foi fazimento do acaso. Sendo você feitio como tudo, por certo traz consigo a mudança. Você criatura que já há, e nunca houve antes,  de nada tenha certeza. Lembre-se: a certeza que temos é apenas a de nossa vontade. De resto nosso engenho está apenas no clarão. O que daí eclode nem eu sei.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ah, o tempo.

TEMPO



Eu queria caminhar na chuva. Chuva fina e fria. Mas o tempo é quente e a chuva não veio. Eu queria sentar no topo da montanha mais alta, e apreciar o vale mais distante, e olhar pro lado e ver os picos coberto de neve. Mas o tempo me cobra um preço que não posso pagar. Poderia cruzar uma trilha por matas e montanhas. Observar os pássaros e rir desvairadamente da vida. Mas não o faço. Poderia comer das amoras silvestres e subir em árvores cobertas de musgo. Mas deixei de fazer isso. Ah o tempo. O tempo é uma ferrujem que corroi as vontades. Lentamente. Segundo a segundo. E eu o perco em bobagens de terno. Em mesas de reunião. Em discussões inúteis com chefes e subordinados. Quem não o perde? Eu gostaria de visitar o templo nas planícies do Butão muito mais do que apenas apertar esses botões cheios de letras que ficam clicando sob meus dedos: "t", "e","m","p","o"... Ah o tempo. O tempo que me faz ser menos pai, menos irmão, menos filho, menos marido, menos avô, menos homem, menos humano. E quando o tenho ele me escapa entre os dedos feito ar. O tempo é eterno, mas não é terno. Sua ternura se perde no volume que ele me dispensa. No mineirês rasgado é só um tiquim. Por que o tempo não me deixa prozear mais do que apenas escrever? Momentos de prazer solitário são esses os da escrita. Curtos. Sozinhos. Ah se não fossem os pequenos lapsos que o tempo nos dá. São pedidos de desculpas por sempre passar correndo. Aquele beijinho despretencioso que ganhei de meu neto ontem. Aquele abraço apertado da netinha. Ou aqueles pequenos momentos de insônia em que fiquei admirando o ressonar de minha esposa. Ah esse tempo maldito e bendito. Toma-me as grandes vontades e me enche de pequenos prazeres. Esse adestrado cãozinho de Chronos fica brincando de esconder comigo. Sorri quando o acho e logo some. O tempo me permite virar de costas pro teclado e olhar pela janela. Só por um instante. Fito a secura desse verão, a poeira e a paisagem que balança bruxuleante ao cruzar pelo ar quente. Eu queria tanto caminhar na chuva. Chuva fina e fria.