Somente após o fim da cerimônia de abertura é que divisei o primeiro negro. De camisa preta e vermelha. De costas. Poxa, não era torcedor. Trabalhava no evento. Alguns segundos depois e encontrei duas morenas. Morenas, não negras - ditas pardas. Ah, se todos os outros torcedores trocassem sua camisa por uma quadriculada de vermelho e branco ninguém ia reparar. Eram europeus travestidos?
E então num determinado momento houve uma vaia. Mandaram a presidenta do país tomar naquele lugar. Mas quem era esse populacho? Quem representava? 47,7% de brancos, 43,1% de pardos e 7,6% de negros. Essa é a população do meu país. No Itaquerão entre 60 mil pessoas encontrei apenas 3. Devia ter muito mais não é? Eu que não percebi. Escondido em algum canto estavam 4500 negros e 26 mil pardos. Não os vi. Você os viu? Bem, deixemos as ironias de lado. Infelizmente eu só vi 3 deles. Oh sim, me desculpem. No campo jogando bola havia um monte. Não dava para incluir não é? Acho que ali estava uma boa representação de nossa população, 3 brancos e 8 pardos.
Então, como dizia, em algum momento parte do estádio vaiou e mandou a presidenta tomar naquele lugar. Dizem que eram dos camarotes que partiam as vaias. Nesses locais os ingressos estavam com o custo aproximado de mil reais. Ali estava a elite desse país. Ela xingou. Xingou da maneira mais baixa. Uma demonstração para todo o mundo (dizem que 3 bilhões de espectadores) do porquê do Brasil ter estado por 500 anos na desigualdade social que esteve. Mostrou que nesse país ainda existe um desejo velado de aparthaide. O desejo de colocar aqueles que não estavam representados no estádio de volta para a senzala. O estádio era agora uma ilha da casa-grande e ela mostrou todo seu ódio por vivermos uma segunda libertação dos escravos. Muito mais sólida. E ali, a poucos metros deles estava uma nova e silenciosa princesa Isabel. E a elite aproveitou para destilar seu ódio.
Não meu amigo e minha amiga, meu inimigo e minha inimiga, não, essa torcida não me representa. E termino dizendo que a beleza do Hino Nacional - sempre interrompido nos eventos públicos na sua metade - continuado quase aos gritos na abertura dessa copa, não indica patriotismo não. O ato apenas reforça a vontade de voltar aos anos 70, onde o Hino era justamente a arma de um regime autoritário. Cantado a plenos pulmões nas paradas militares, desfiles cívicos e nas escolas. Cantados juntos com jargões políticos da direita "ame-o ou deixe-o", "Esse é um país que vai pra frente" e tantos outros. Cantado mas não vivido. Foi lindo, emocionante. Mas é uma pena que por trás desse patriotismo aparente existe uma patriotada.
Não me representam! Fico com aqueles que ficaram fora dos estádios. Com suas TVs. Nas praças. Nos bares. Negros, pardos, índios, nordestinos, nortistas. Fico com aqueles que ainda a pouco deixaram a senzala e assumiram seu lugar na vida. Que podem agora viajar de avião para desespero dos feitores e senhores de engenho. Esse é meu povo! Fico com aqueles que, sendo brancos como eu, entendem o sentido de partilha e de responsabilidade social. Vestem verde e amarelo porque amam esse país e não a eles mesmos. Amam o futebol, esporte de todos.
Eu fico com meu povo. Com meu povo brasileiro!