sexta-feira, 13 de junho de 2014

Meu povo brasileiro!

Numa véspera de uma sexta-feira 13, em um dia dos namorados, lá estavam eles. Eram brancos, loiros. Meninas de cabelos lisos, longos e esvoaçantes. Muitos olhos verdes e azuis. Não, não eram croatas. Vestiam uma camisa amarela, canarinha. Eram torcedores brasileiros. A câmera não parava de zapear pelo meio da torcida. Já a mais de duas horas que ela buscava imagens na torcida. Nenhum preto, nenhum moreno ou pardo. Nem mesmo sequer um cabelo pixaim ou até encaracolado. Nada. Encaracoladas apenas as perucas verdes ou amarelas.

Somente após o fim da cerimônia de abertura é que divisei o primeiro negro. De camisa preta e vermelha. De costas. Poxa, não era torcedor. Trabalhava no evento. Alguns segundos depois e encontrei duas morenas. Morenas, não negras - ditas pardas. Ah, se todos os outros torcedores trocassem sua camisa por uma quadriculada de vermelho e branco ninguém ia reparar. Eram europeus travestidos?

E então num determinado momento houve uma vaia. Mandaram a presidenta do país tomar naquele lugar. Mas quem era esse populacho? Quem representava? 47,7% de brancos, 43,1% de pardos e 7,6% de negros. Essa é a população do meu país. No Itaquerão entre 60 mil pessoas encontrei apenas 3. Devia ter muito mais não é? Eu que não percebi. Escondido em algum canto estavam 4500 negros e 26 mil pardos. Não os vi. Você os viu? Bem, deixemos as ironias de lado. Infelizmente eu só vi 3 deles. Oh sim, me desculpem. No campo jogando bola havia um monte. Não dava para incluir não é? Acho que ali estava uma boa representação de nossa população, 3 brancos e 8 pardos.

Então, como dizia, em algum momento parte do estádio vaiou e mandou a presidenta tomar naquele lugar. Dizem que eram dos camarotes que partiam as vaias. Nesses locais os ingressos estavam com o custo aproximado de mil reais. Ali estava a elite desse país. Ela xingou. Xingou da maneira mais baixa. Uma demonstração para todo o mundo (dizem que 3 bilhões de espectadores) do porquê do Brasil ter estado por 500 anos na desigualdade social que esteve. Mostrou que nesse país ainda existe um desejo velado de aparthaide. O desejo de colocar aqueles que não estavam representados no estádio de volta para a senzala. O estádio era agora uma ilha da casa-grande e ela mostrou todo seu ódio por vivermos uma segunda libertação dos escravos. Muito mais sólida. E ali, a poucos metros deles estava uma nova e silenciosa princesa Isabel. E a elite aproveitou para destilar seu ódio.

Não meu amigo e minha amiga, meu inimigo e minha inimiga, não, essa torcida não me representa. E termino dizendo que a beleza do Hino Nacional - sempre interrompido nos eventos públicos na sua metade - continuado quase aos gritos na abertura dessa copa, não indica patriotismo não. O ato apenas reforça a vontade de voltar aos anos 70, onde o Hino era justamente a arma de um regime autoritário. Cantado a plenos pulmões nas paradas militares, desfiles cívicos e nas escolas. Cantados juntos com jargões políticos da direita "ame-o ou deixe-o", "Esse é um país que vai pra frente" e tantos outros. Cantado mas não vivido. Foi lindo, emocionante. Mas é uma pena que por trás desse patriotismo aparente existe uma patriotada.

Não me representam! Fico com aqueles que ficaram fora dos estádios. Com suas TVs. Nas praças. Nos bares. Negros, pardos, índios, nordestinos, nortistas. Fico com aqueles que ainda a pouco deixaram a senzala e assumiram seu lugar na vida. Que podem agora viajar de avião para desespero dos feitores e senhores de engenho. Esse é meu povo! Fico com aqueles que, sendo brancos como eu, entendem o sentido de partilha e de responsabilidade social. Vestem verde e amarelo porque amam esse país e não a eles mesmos. Amam o futebol, esporte de todos.

Eu fico com meu povo. Com meu povo brasileiro!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Pálido Ponto Azul

Esse texto sempre me emociona. A Terra vista nas câmeras da Voyager 1. Um pálido ponto azul (Carl Sagan).

"Veja novamente esse ponto. É aqui. Nossa casa. Somos nós. Nele tudo que amamos, todos que você conhece, todos que você jamais ouviu falar, todo ser humano que existiu, viveram suas vidas. Um agregado de nossa alegria e sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas, todos os caçadores, saqueadores, heróis e covardes, criadores e destruidores de civilizações, cada rei e camponês, cada jovem casal se amando, cada mãe e cada pai, cada criança esperançosa, inventor e explorador, cada professor de moral, cada político corrupto, cada 'superstar' e 'líder supremo', cada santo e pecador na história de nossa espécie que vive lá (aqui) -- num pequeno grão de areia suspenso na luz do sol"(tradução livre minha)

Isso me leva a pensar na atitude do Papa Francisco: plantar uma muda de oliveira juntamente com os líderes de diversas religiões e ainda Shimon Perez e Mahmoud Abbas. A paz que esse pequeno e pálido ponto azul precisa.

Que a oração do Papa Francisco em seu discurso se torne verdade e que todos nós que vivemos nesse pequeno e frágil ponto azul tenhamos uma atitude de paz. Tenhamos uma titude de paz com os outros homens e mulheres e tenhamos uma titude de paz com nosso planeta azul.

A oração:

Senhor Deus de Paz, escutai a nossa súplica!

Tentámos tantas vezes e durante tantos anos resolver os nossos conflitos com as nossas forças e também com as nossas armas; tantos momentos de hostilidade e escuridão; tanto sangue derramado; tantas vidas despedaçadas; tantas esperanças sepultadas... Mas os nossos esforços foram em vão. Agora, Senhor, ajudai-nos Vós! Dai-nos Vós a paz, ensinai-nos Vós a paz, guiai-nos Vós para a paz. Abri os nossos olhos e os nossos corações e dai-nos a coragem de dizer: «nunca mais a guerra»; «com a guerra, tudo fica destruído»! Infundi em nós a coragem de realizar gestos concretos para construir a paz. Senhor, Deus de Abraão e dos Profetas, Deus Amor que nos criastes e chamais a viver como irmãos, dai-nos a força para sermos cada dia artesãos da paz; dai-nos a capacidade de olhar com benevolência todos os irmãos que encontramos no nosso caminho. Tornai-nos disponíveis para ouvir o grito dos nossos cidadãos que nos pedem para transformar as nossas armas em instrumentos de paz, os nossos medos em confiança e as nossas tensões em perdão. Mantende acesa em nós a chama da esperança para efectuar, com paciente perseverança, opções de diálogo e reconciliação, para que vença finalmente a paz. E que do coração de todo o homem sejam banidas estas palavras: divisão, ódio, guerra! Senhor, desarmai a língua e as mãos, renovai os corações e as mentes, para que a palavra que nos faz encontrar seja sempre «irmão», e o estilo da nossa vida se torne: shalom, paz, salam! Amém
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O texto em inglês de Carl Sagan

"Look again at that dot. That's here. That's home. That's us. On it everyone you love, everyone you know, everyone you ever heard of, every human being who ever was, lived out their lives. The aggregate of our joy and suffering, thousands of confident religions, ideologies, and economic doctrines, every hunter and forager, every hero and coward, every creator and destroyer of civilization, every king and peasant, every young couple in love, every mother and father, hopeful child, inventor and explorer, every teacher of morals, every corrupt politician, every 'superstar,' every 'supreme leader,' every saint and sinner in the history of our species lived there -- on a mote of dust suspended in a sunbeam."

-Carl Sagan, "Pale Blue Dot," 1994