Bicuda no Sovaco
quinta-feira, 12 de novembro de 2020
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Oração de uma Quarta-Feira chuvosa
Senhor, venho te pedir perdão. Sabes que o procurei nas coisas e nas palavras no templo. Apesar de tudo lembrar-me de ti, não te achei. Pedi então tua luz e tu me destes um caminho de procura. Então senhor te encontrei no bêbado caído na esquina. Os olhos que me fitaram em meio aos cabelos desgrenhados eram teus olhos a pedir ajuda e eu, apesar de me apiedar de ti, me afastei. Te encontrei no pedinte que bateu em minha porta. Suas mão sujas estendidas eram tuas mãos. Tive nojo pois Tu cheiravas mal. Tu cheiravas mal senhor. Fechei a porta e te chamei - baixinho - de vagabundo. Nada sabia de tua vida, mas te rejeitei. Te ví sentado ao lado do muro do colégio. Teus olhos estavam vidrados. Ao teu lado estavam as drogas na imundice. Não sabia de teu abandono. Não sabia do que Te afligia na infância. Te vi. Mas mudei de lado da rua. E ainda que com pena de Ti eu te julguei. Meu coração se apequenou mas minha razão Te condenou como bandido. E então senhor te vi na televisão. Estavas amarrado a um poste pois havias roubado. Não sabia que tinhas fome e estavas abandonado. E vi então que te cuspiam e batiam com uma vara. Puxavam tua barba e diziam insultos. Eras tu Senhor que revivia o martírio do calvário. Te vi assim. Mas te julguei pelos teus atos de roubar. Te critiquei e usei dos meios que havia para me zombar de ti. Fui tolo pois achei correto o que fizeram contigo. Perdão Senhor.
E hoje Senhor aprendi que Tua presença não está na riqueza. Aprendi que ser teu não significa enriquecer materialmente. Que se enriquecemos não é porque temos a Ti. É porque temos uma capacidade de fazê-lo. Uma capacidade que nos destes ao nascermos. Inata. Pura. E fazemos dela o que quisermos. Mas Tu Senhor, se manifesta na pobreza da humildade e não na falácia da prosperidade. Perdão Senhor por achar que aderir ao teu chamado iria me fazer ter coisas e me tornar mais rico. Não Senhor, Não. Aderir ao teu chamado, aprendi, é sacrificar-me ao menos um pouco pelo outro. Sem esperar nada em troca. E assim, só assim seremos mais felizes. Obrigado Senhor por abrir-me os olhos.
Perdoa Senhor, se é que posso Te pedir, aqueles que propagam uma fé na prosperidade e a usam para prosperar. São pecadores como eu Senhor. Fazei que abram os olhos e se arrependam. São cegos Senhor e vós mesmos pediste ao Pai para que os perdoassem pois não sabem o que fazem.
Te peço Senhor que me dê forças para trilhar Teu caminho. Para esquecer da doutrina da prosperidade e sempre buscar a doutrina da humildade franca. Te peço Senhor que me dê forças para vencer o mal que graça em mim e no mundo. E que eu possa te ajudar quando aparecer diariamente na figura do preso, do pobre, do desesperado, do viciado, do abandonado, do entristecido e do sem paz.
Senhor. Se aumentou meu compromisso e porque sabes que sou capaz. Mas me dê tua força, teu Espírito, para que eu persevere. E te agradeço por acreditares em mim pela Tua Graça.
Amém.
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Um eterno dia dos amigos ou melhor...
Estou cansado de tantos dias. Hoje é dia do amigo. Ontem foi dia dos namorados. Dias atrás das mães. E vem aí o dia dos pais. Me perdi na data do dia dos avós - ou seria das avós? E teve o dia do fisico, do dentista, dia disso e dia daquilo.
Não seria melhor proclamar os 365 dias do amor? Os 365 dias da paz? O ano internacional de ser gentil, que seria repetido até que o planeta seja atingido pelo dito asteróide que todo ano surge nos céus para nos destruir? Ou mesmo até que o planeta 'nubiru' apareça por detrás de nosso Sol e cause o cataclisma final?
Essas datas de estar amigo, estar pai, estar mãe deveriam ser substiuídas pela eternidade de ser amigo, pai, mãe e profissional. Precisamos muito mais de ser do que estar por um dia. Ah sim, me esqueci, e ser amigo deveria ser independente do outro ser meu amigo. Porque nos cabe amar até os inimigos não é? Até aquele chato de galocha de seu serviço que vive te enchendo com aquela desanimadora conversa fiada.
Dê um presente especial para todos hoje: declare sua profunda amizade eterna, seu amor incondicional, seu apoio especial por toda a vida. Porque seu amigo errará um dia, seu pai lhe repreenderá, sua mãe lhe dará uma bela bronca e seu inimigo poderá tornar-se seu amigo. Basta amar a todos que isso não muda sua amizade e seu comportamento.
E por favor, esqueça as palavras poéticas de Vinicius, "que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Lembre-se apenas que não é chama e que é infinito. Faça de sua vida inteira um único dia do amigo, do pai, da mãe, do tio, da tia, do inimigo e de todo o mundo.
Feliz para você também.
Não seria melhor proclamar os 365 dias do amor? Os 365 dias da paz? O ano internacional de ser gentil, que seria repetido até que o planeta seja atingido pelo dito asteróide que todo ano surge nos céus para nos destruir? Ou mesmo até que o planeta 'nubiru' apareça por detrás de nosso Sol e cause o cataclisma final?
Essas datas de estar amigo, estar pai, estar mãe deveriam ser substiuídas pela eternidade de ser amigo, pai, mãe e profissional. Precisamos muito mais de ser do que estar por um dia. Ah sim, me esqueci, e ser amigo deveria ser independente do outro ser meu amigo. Porque nos cabe amar até os inimigos não é? Até aquele chato de galocha de seu serviço que vive te enchendo com aquela desanimadora conversa fiada.
Dê um presente especial para todos hoje: declare sua profunda amizade eterna, seu amor incondicional, seu apoio especial por toda a vida. Porque seu amigo errará um dia, seu pai lhe repreenderá, sua mãe lhe dará uma bela bronca e seu inimigo poderá tornar-se seu amigo. Basta amar a todos que isso não muda sua amizade e seu comportamento.
E por favor, esqueça as palavras poéticas de Vinicius, "que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". Lembre-se apenas que não é chama e que é infinito. Faça de sua vida inteira um único dia do amigo, do pai, da mãe, do tio, da tia, do inimigo e de todo o mundo.
Feliz para você também.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
Tia Terezinha
Deus passa pela vida de todos nós derramando graças, belezas, dons e pessoas especiais. Como poetizou (ou seria profetizou?) Venturini: 'Como num romance um Deus risonho aqui passou, derramando cachoeiras pela serra em flôr'. Esse Deus que derrama tanto sobre nós é risonho e ama o sorriso. Nas famílias e comunidades Deus cobre algumas pessoas de dons extraordinários. O dom da oração e intercessão , dom da ajuda, dom da acolhida e centenas de outros. O dom da acolhida não é apenas aquele de receber. É o dom de receber com amor profundo, doando-se completamente, abrindo o coração e, especialmente, acolhendo com muita alegria e paz. Creio que algumas dessas pessoas são na verdade anjos disfarçados. Anjos que Deus derrama no meio de nós.
Na família Schmoeller o anjo da acolhida é a Terezinha. Olhos pequenos e brilhantes. Acolhendo a todos sem distinção. Os humildes, os abastados, os problemáticos de corpo e coração, os amigos dos amigos, os estranhos, os religiosos e os nem tanto. Sempre uma menina serelepe nos afazeres de agradar. Doando-se mesmo na dor e no sofrimento. Fazendo seus quitutes e guloseimas. Oferecendo gratuitamente suas coisas e pertences em troca de um sorriso. Sempre surpreendendo a todos com mimos inesperados e afagos na alma. Agradável contadora de histórias para entreter os acolhidos. Por todos sempre uma oração singela e um sorriso simples.
Sabemos que a alma permanece mesmo após a partida. Mas para os anjos não há morte. Apenas mudam de endereço. Se juntam aos coros celestes para continuar a acolhida. Se um dia eu for para o céu saberei quem irá me esperar na porta. Um certo anjo chamado Terezinha lá estará. Com os mesmos cabelinhos encaracolados, os mesmos olhinhos miúdos e brilhantes e um sorriso aberto. Junto a ela estará a irmã Marta. Intercessora permanente. E quem sabe um pudinzinho de leite condensado não esteja na mesinha posta?
Ficamos aqui com o coração apertadinho e os olhos mareados. Mas lá de onde ela veio tem uma bela festa de recepção. Afinal um anjo retornou de sua tarefa. E essa tarefa foi cumprida com maestria.
Fique com Deus tia! E peça a Dona Marta que continue a interceder por nós até o dia em que nos abraçaremos novamente. Espero ser digno de estar aí um dia.
terça-feira, 14 de julho de 2015
Peregrinos do Amor
"A vida é caminhar. Sou peregrino do amor. Vou semear a esperança
Deste mundo que há de vir. Eu não me canso de cantar". Essa música do Pe. Jonas Abib, Salesiano, nos fala de três coisas: caminhar, semear e cantar. Semear a esperança sem deixar de cantar. Somos sim peregrinos do amor e temos a missão de amar, amar caminhando. Ainda que a vida sempre esteja nos dando limões - que são muito azedos - cantando os converteremos em limonadas.
Na peregrinação que fizemos pelos caminhos de D. Bosco e Madre Mazarello pudemos sentir tantas coisas diferentes. A pobreza dos personagens do passado que tiveram sempre uma missão: semear a esperança. D. Bosco entre os meninos desesperançados em uma Itália industrializada que explorava até mesmo as menores crianças em jornadas escorchantes de trabalho. Madre Mazarello entre as meninas perdidas nas montanhas do Piemonte, dando-lhes o trabalho dignificante e atendendo aos doentes agonizantes de tifo. Era quase uma revolução silenciosa. Uma mensagem para a própria Igreja. Uma mensagem que, embora religiosa, tinha forte cunho social. Afinal? Para quem Deus veio? Para todos! Havia um espírito muito especial: mudança! Mas não uma mudança de fora. Uma mudança que não quebraria a estrutura. Uma reforma por dentro.
Era a mesma casa montada sobre a mesma pedra original ("Tú és pedra") e tendo em seu cimo a mesma pedra angular ("que os pedreiros rejeitaram"). No peito desses santos havia uma forte mensagem: reforma de valores. Quando nos desviamos do caminho em um ângulo muito pequeno, infinitesimal, sabemos que com o passar do tempo acabamos muito longe do caminho. Perdidos. Alguém sempre precisa aparecer - um missionário - para trazer de volta a esse caminho ("Eu sou o caminho!"). E essa linha é o amor. Ou ainda, melhor, a amorevolezza salesiana - gestos sensíveis, perceptíveis e concretos de amar. Amar educando ou educar amando. Com exemplos antes das palavras.
Oras. E que não dizer daquele santo de Assis? Certamente inspiração para um jovem chamado João Melchior Bosco, seminarista inquieto e inovador. Ainda que morando debaixo de uma pequena escada, num lugar frio e feio, com pouco para se alimentar e muito por fazer. Bosco deve ter se lembrado de Francisco de Assis. Afinal Francisco também atendeu a um chamado: "Reforma a Minha Igreja". E também dormiu em uma pedra no frio e com fome. Francisco era mais um revolucionário. Igreja dos pobres e para os pobres. Igreja do simples e do belo. Igreja do amor. Louco e sonhador diziam!
633 anos depois o mesmo chamado ao jovem João. Mais uma reforma. Novamente afastavam-se da linha mestra. Bosco e Maria da família Mazzarello reforçaram os pilares, rebocaram as rachaduras e deram uma boa pintura. E fizeram isso com os jovens e as jovens. Com muita alegria, oração e trabalho. Igreja dos fracos, dos jovens sem rumo, das crianças sem educação adequada.
E a nossa peregrinação em busca da verdade não pára. Diante de Angelo Giuseppe Roncalli, o "Papa Bom", são João XXIII, Franciscano secular nos deparamos novamente com a mensagem que se repete: "reforma, reforma, reforma...". Taxado de radicalista de esquerda pelos radicais. Homem simples. Salvador de judeus durante a II Guerra. Escapava do Vaticano para visitar as famílias mais humildes. Mais uma vez renovou a casa. Trouxe o pobre ao rito. A verdade para aquele que não a compreendia no 'latinez' estranho. Trouxe novamente o Jesus que caminhava entre o povo e visitava as casas. De que forma? Com bondade, simpatia, sorriso, jovialidade e simplicidade. Sorriso! "Eu não me canso de cantar!".
E agora? Que tempos vivemos? Que alegria! Novamente Francisco, Jorge Mario Bergoglio. E novamente a mensagem de reforma. De voltar ao caminho. Um novo Papa sorridente. Alegre! Simples! E então entendemos a nossa missão: fazer dos limões limonadas e trazer de volta a alegria. Mudar o mundo a partir da Igreja. Mudar a Igreja a partir do mundo. De dentro para fora. Mudando primeiro nossas atitudes e nosso coração. Aceitando novamente as diferenças e nos abrindo para todos os excluídos e marginalizados. Sendo Igreja com "I" maiúsculo novamente. Humildes, simples e de espírito pobre. Nunca pobres de espírito (ainda que teríamos um espacinho no paraíso). Mas de uma maneira especial. Sorrindo, cantando e levando a esperança.
Saímos de um Francisco, passamos por um João Bosco e uma Maria Mazarello, e então passamos por um outro João e um outro Francisco com a mesma mensagem: "onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver desespero que eu leve a esperança". Sendo peregrinos do amor sem jamais deixar de cantar. Que a contemplação pela janelinha da Valponasca não seja apenas ver, mas se transforme em um ímpeto de mudar!
quinta-feira, 28 de maio de 2015
O Profeta e o Bar do Araújo.
Era domingo. Antes das seis da matina. Jairo acordou sonolento. A cachaça de sábado ainda amargava sua boca. A cama feita de tocos e capim farfalhou ao levantar-se. Nem havia trocado de roupa. As botas furadas ainda no pé. Se colocou de pé. No momento uma única coisa o animava, o café. No fagãozinho de lenha do barraco de pau-a-pique ainda ardiam meia dúzia de brasas. Jairo socou alí uns gravetos finos e um pedaço de palha de milho e o fogo despertou. Colocou um bule velho na chapa e encheu de água. Meteu uma medida de pó, uma 'maozada' como ele dizia e deixou ferver. Esperando sentou-se na taipa e pensou devagar. Tinha algo diferente naquele dia. Sentia como se o peito ardesse. Absorto em seus pensamentos nem percebeu que a água borbulhava no bule. Despertou-se daquele mundo de fantasias quando uma gota fervente pulou em suas mãos. Pegou um pano de prato sujo e rasgado e puxou o velho bule. Pegou um graveto em brasa e colocou dentro do bule. O pó baixou. Encheu um caneco velho de ágata cheio de lascados com aquele café. Nele colocou distráido uma quantidade absurda de açúcar. Provou devagar o mel negro que podia ter gosto de tudo, menos de café. Mas serviu para tirar o amargor e alinhar a mente. Era mesmo um dia especial. Jairo se sentiu ungido. Lembrou daquele sonho estranho que o fez acordar sabe-se lá que horas da madrugada. Um anjo apareceu a ele. Logo ele. Devoto de São José. Pensou e pensou. Se o padrinho José teve a visita de anjos por que não ele?
Vestiu se chapéu de feltro e abriu a porta. Cilada, sua égua, estava olhando para ele. Ele fez um esforço mas não se lembrava de ter tirado o arreio dela. Teria cilada se desvencilhado da tralha toda sozinha? Bobagem, pensou Jairo. Apenas com aquele café no bucho, sem nada de alimento, ele pegou a sela e paramentou sua companheira. A única que restou depois que mulher e filhos haviam ido embora para Minas. Fez um carinho na égua e montou na cilada. Ela já sabia que o caminho era o de sempre. A via sacra de Jairo. De segunda a sábado Cilada fazia o caminho para casa parando em cada boteco. No domingo ela fazia a ida e vinda. Sabia que naquele dia ela nem iria até o pasto apartar o gado. Não iria ficar solta nas terras de sinhôzinho. Domingo era dia de ser amarrada em postes na porta dos bares.
Cilada sentia algo diferente em Jairo. Ele que sempre conversava com ela estava quieto. Jairo pensava em seu sonho. O anjo havia lhe dado uma missão. Ele pensava se a bebida o havia deixado louco. Ou se ele realmente entendia o ocorrido. Deus perdia tempo com bêbados como ele? Mas e daí? Nem ligo! Esse era seu jeito. Deus uns tapinhas no pescoço de Cilada e ela acelerou o passo. Jairo olhava no pedaço da orelha da égua que havia sido praticamente comido por carrapatos. É. Esse mundo é de parasitas mesmo. Se bobeamos eles nos comem. Vamos Cilada, balbuciou. Cada dia o bar ficava mais longe. Em cada porta que antes havia desenhado uma garrafa de cerveja havia um nome de igreja. Domingo de manhã algumas estavam abertas. Dentro delas uma meia dúzia de pessoas e alguém a pregar em altos brados num microfone. A caixa chegava a vira no avesso. Jairo passou olhando. Não ouvia. Aqui era o bar do tonho, lembrou ele. Ali na outra era o Bar do Araújo. Mais embaixo, uns dois quilometros, enfim um porto seguro. "Mané. Manda aí uma cabeçuda. Tenho uma missão a cumprir". O boteco veio abaixo de tanta risada. O sergipano de sotaque arrastado que estava apoiado no balcão soltou uma frase: "o xente! endoidou foi?". Jairo entornou a canjibrina de um gole só e pediu mais uma. Nada respondeu. Saiu devagar e na porta do bar convidou os colegas para seguí-lo até o Alto da Bela Vista. Ninguém se moveu. Cedo demais, disse um coitado sentado à porta.
Jairo seguiu adiante montado em sua velha e paciente companheira. Entrou por uma viela. Subiu uma ruazinha. E foi convidando as pessoas. Tinha gente de terno que ia ao culto. Tinha meninos com paramentos religiosos que iam auxiliar o pároco. Havia os donos de comércio preparando os frangos nas assadeiras. Tinha um amolador de faca e seu apito longo. Aqui e ali uma velha senhora que acenava. Lá se foi Jairo morro acima. Para cada um um convite. Lá no alto ele apiou de sua égua. Subiu na pedra. E anunciou que era um profeta. Um enviado. Fechou seus olhos e levantou um braço apontando aos céus. Então gritou em alto brado: "Não mais Igrejas! Não mais religiões!" e proferiu um complemento que sempre ouvia mas não sabia o que significava, " Oráculo do Senhor!". E completou sua profecia: "Basta que amemos. E só!". Olhou para baixo. Ninguém o havia seguido. Todos estavam no mesmo lugar. Faziam as mesmas coisas. Iam por aí. Jairo pensou: "todas as palavras necessárias foram ditas". Montou em cilada. Cilada foi-se com ele passando por todos os lugares de todos os dias. Pelo menos naqueles que restaram. E assim foi-se o domingo.
Vestiu se chapéu de feltro e abriu a porta. Cilada, sua égua, estava olhando para ele. Ele fez um esforço mas não se lembrava de ter tirado o arreio dela. Teria cilada se desvencilhado da tralha toda sozinha? Bobagem, pensou Jairo. Apenas com aquele café no bucho, sem nada de alimento, ele pegou a sela e paramentou sua companheira. A única que restou depois que mulher e filhos haviam ido embora para Minas. Fez um carinho na égua e montou na cilada. Ela já sabia que o caminho era o de sempre. A via sacra de Jairo. De segunda a sábado Cilada fazia o caminho para casa parando em cada boteco. No domingo ela fazia a ida e vinda. Sabia que naquele dia ela nem iria até o pasto apartar o gado. Não iria ficar solta nas terras de sinhôzinho. Domingo era dia de ser amarrada em postes na porta dos bares.
Cilada sentia algo diferente em Jairo. Ele que sempre conversava com ela estava quieto. Jairo pensava em seu sonho. O anjo havia lhe dado uma missão. Ele pensava se a bebida o havia deixado louco. Ou se ele realmente entendia o ocorrido. Deus perdia tempo com bêbados como ele? Mas e daí? Nem ligo! Esse era seu jeito. Deus uns tapinhas no pescoço de Cilada e ela acelerou o passo. Jairo olhava no pedaço da orelha da égua que havia sido praticamente comido por carrapatos. É. Esse mundo é de parasitas mesmo. Se bobeamos eles nos comem. Vamos Cilada, balbuciou. Cada dia o bar ficava mais longe. Em cada porta que antes havia desenhado uma garrafa de cerveja havia um nome de igreja. Domingo de manhã algumas estavam abertas. Dentro delas uma meia dúzia de pessoas e alguém a pregar em altos brados num microfone. A caixa chegava a vira no avesso. Jairo passou olhando. Não ouvia. Aqui era o bar do tonho, lembrou ele. Ali na outra era o Bar do Araújo. Mais embaixo, uns dois quilometros, enfim um porto seguro. "Mané. Manda aí uma cabeçuda. Tenho uma missão a cumprir". O boteco veio abaixo de tanta risada. O sergipano de sotaque arrastado que estava apoiado no balcão soltou uma frase: "o xente! endoidou foi?". Jairo entornou a canjibrina de um gole só e pediu mais uma. Nada respondeu. Saiu devagar e na porta do bar convidou os colegas para seguí-lo até o Alto da Bela Vista. Ninguém se moveu. Cedo demais, disse um coitado sentado à porta.
Jairo seguiu adiante montado em sua velha e paciente companheira. Entrou por uma viela. Subiu uma ruazinha. E foi convidando as pessoas. Tinha gente de terno que ia ao culto. Tinha meninos com paramentos religiosos que iam auxiliar o pároco. Havia os donos de comércio preparando os frangos nas assadeiras. Tinha um amolador de faca e seu apito longo. Aqui e ali uma velha senhora que acenava. Lá se foi Jairo morro acima. Para cada um um convite. Lá no alto ele apiou de sua égua. Subiu na pedra. E anunciou que era um profeta. Um enviado. Fechou seus olhos e levantou um braço apontando aos céus. Então gritou em alto brado: "Não mais Igrejas! Não mais religiões!" e proferiu um complemento que sempre ouvia mas não sabia o que significava, " Oráculo do Senhor!". E completou sua profecia: "Basta que amemos. E só!". Olhou para baixo. Ninguém o havia seguido. Todos estavam no mesmo lugar. Faziam as mesmas coisas. Iam por aí. Jairo pensou: "todas as palavras necessárias foram ditas". Montou em cilada. Cilada foi-se com ele passando por todos os lugares de todos os dias. Pelo menos naqueles que restaram. E assim foi-se o domingo.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Inveja da Magia
Fiquei parado. Olhando aquele desenho feito em giz no quadro negro da sala de minha esposa. Uma fada. Silhueta longilínea, com o braço estendido e segurando uma vara de condão. Vestido esvoaçante. Pernas longas com uma sapatilha aos pés. Lindo. Até os borrões de uma tentativa de apagar o giz parecia uma mágica a criar uma nuvem em frente à fada. Haviam tantos detalhes. Laços. Fitas que enlaçavam as pernas. Cabelos. Absorto em meus pensamentos diante daquele desenho. Pensei como sou. Sou das exatas. Sou do lógico. Sou das coisas retas, das linhas, dos círculos e dos ângulos. Ainda que as curvas suaves sejam infinitas retas que se somam. Fico preso naquelas atômicas retazinhas. Como se a beleza das formas não fossem apenas círculos e ângulos geométricos. Sinto inveja. Não tenho o dom das cores. Não tenho o olhar dos mestres e pintores. Não tenho o ouvido dos músicos. Apenas sinto a beleza das notas, das vozes e da harmonia. Como eles conseguem? Eu não sou harmônico. Meus dedos se atrapalham nas teclas e nas cordas. Também nos lápis e pincéis. Sequer sei batucar em rítmo. Sou um metrônomo quebrado. Invejo os pintores e suas pinturas nos quadros. Mesmo aqueles que parecem rabiscar sem sentido. E voilà, surge uma linda paisagem. Um corpo nu. Invejo os desenhistas e seus desenhos perfeitos. Invejo os músicos e compositores e suas notas no ar. Traduzir os sonhos. É magia!
Tantos dons nas mãos dos artistas. Dons que não me deram. Então me sacio combinando palavras. Me contento escrevendo versos que só eu leio. Afagos egoístas em minha própria alma. Fico barrando minhas angústias daquilo que não sei fazer. Rabisco meus anseios em linhas indecifráveis. Triste como o mais tristes dos poetas. Sem palco. Sem vernissage. Sem talento. Sem aplauso. Preso em mim mesmo. Sufocado por um rancor de apenas ver. Jamais fazer. De ser apenas mais um que passa em meio aos milhares iguais a mim. Quem olha? Quem vê? Quem quer? Não. Não. Isso não importa! Existo. Respiro. Escrevo. Nada mais. Não. Nada mais. Apenas.
Tantos dons nas mãos dos artistas. Dons que não me deram. Então me sacio combinando palavras. Me contento escrevendo versos que só eu leio. Afagos egoístas em minha própria alma. Fico barrando minhas angústias daquilo que não sei fazer. Rabisco meus anseios em linhas indecifráveis. Triste como o mais tristes dos poetas. Sem palco. Sem vernissage. Sem talento. Sem aplauso. Preso em mim mesmo. Sufocado por um rancor de apenas ver. Jamais fazer. De ser apenas mais um que passa em meio aos milhares iguais a mim. Quem olha? Quem vê? Quem quer? Não. Não. Isso não importa! Existo. Respiro. Escrevo. Nada mais. Não. Nada mais. Apenas.
Assinar:
Postagens (Atom)